quarta-feira, 29 de abril de 2009

Peço passagem

Se de rastejar a lagarta se cansa,
Eu de pensar e de sentir virei casulo.
Peço passagem a outro plano
Que é nulo todo este rastejar
Do ser humano.
Andar é pesar e ao respirar
Sorvemos sempre algum veneno.
Existir tampouco é inofensivo,
Seu principio ativo já começa a corroer
O mecanismo do teatro do viver.

Chega com essa farsa,
Perdeu a graça ser humano.

É asa o que no verme é padecer
Destes pés, de seu peso e caminhar.
Peço passagem ao plano do ar
Que já não acho natural
O andar que é ser lagarta e doer
Ou o faltar que dizem parte do ser.
Nego a norma de ser normal
O mal que é norma do viver
E sinto mais mal na norma
Que normalidade em sentir mal.

Chega com essa farsa,
Perdeu a graça ser humano.

O ranger da engrenagem
Do esforço que faço existindo
É o ruído deste estar ruindo,
Traço de veneno no trago sorvido
De suco de sede.

Chega com essa farsa,
Perdeu a graça ser humano.

Morfina

Qual dessas frutas recém maduras
Vai ser a minha cocaína?
Qual dessas meninas
Vai ser a matéria em que eu caio
Expulso do paraíso?
Qual delas me dá o corpo
Em que esqueço a minha alma?
Entre que pernas vou buscar a escuridão
Pra ofuscar a luz da consciência
Da dor da sua ausência
E nublar a noite
Cheia de estrelas distantes?
Em que carne vou matar o meu espírito?
Vem, menina,
Vem ser a morfina pra tanta dor.
Vem ser o corpo
Onde despenca o meu abismo.
Deixa eu morrer em você, menina,
Turvar com suor a centelha divina
Chamada tristeza.
Vem me libertar de mim
E trancar num minuto
A eternidade dessa pena.
Vem, menina,
Tornar minha alma pequena.
Vem ser o túmulo
De natimortos sentimentos.
Vem dar à treva
Pra eu cair no esquecimento.


terça-feira, 28 de abril de 2009

Poema pornográfico

Sentindo cheiro de raiva,
Frustração e medo,
Ganiu a Vida:
– Que delicia de brinquedo!

E riu com um prazer a Vida,
Quase sexual,
Antecipando o sabor
Da esperança frustrada
Do servo que ainda resiste,
Disse:
– Te provo de novo
Que venço afinal!
Rasteja, animal!
Por que não escreve um verso,
Um poema triste
Pra eu te ler na curra?
É mais perverso e eu gosto
Se você luta
Na hora da surra!
Ou prefere que eu leia
Aquela sua carta de amor?
Pra eu te foder – que delícia! –
Com imensa dor!

Gritou a Alma, enojada:
– Me solta!
– Isso! Assim! – gemeu a Vida
– Mais revolta!
Fala aquilo, vai!
Que ela disse pra você!
Ai, tesão, eu gozo
Lambendo decepção!
Assim que eu gosto, chora!
Vem cá agora, escravo,
Chupar minha dura lição!
Quero te ouvir dizer
“Por favor, isso não”!
Mais dor, coração!
Vamos lembrar:
Vocês dois na praça,
Uma canção!

E, babando, disse, medonha,
Rilhando os dentes:
– Anda, sonha!
Pra eu te arrancar pedaço!
Ou vai pensando, lê um livrinho,
Enquanto eu faço!
Me xinga, fala palavrão,
Faz uma oração se preferir!
Eu gosto da presa que chora,
Da que briga e me faz rir!

– Isso! Assim! Que saudade!
Que buraco! Que dor! Tô quase!

E, estuprada a Alma,
Gozou a Vida na cara
Do que ela tinha de melhor.
– Que gostoso! – disse, cachorra,
No rosto da desgraçada,
Limpando a porra.
– Sente o gosto da piada!