segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Trancas


Vejo teu universo em cor
Conheces a flora toda dos sons de teu jardim
E eu tenho em mim os dons todos de os ouvir,
Mas tais flores me doem, florescem sua ausência.
E me embriago de ruína
E vou entrando no coma cinza que invoco
Bebendo vozes que anunciam nada e fim.
Mas você está em silêncio em mim,
O seu jardim todo,
Numa canção de luz que eu não toco.

Ouço guitarras cinzas e brancas
E dou meu corpo ao pior.
Meu dentro recebe a cinza
Como a pele queimada recebe o coma,
Como a porta recebe as trancas.



sábado, 15 de dezembro de 2012

Das brilhantes sugestões de uma parede

Então por que você não para?
Então por que você não sara?
Então por que você não sai?

Então por que você não apaga?
Então por que você não trata?
Então por que você não larga?

Então por que você não muda?
Então por que você não troca?
Então por que você não passa?

Então parei
De falar com as paredes
De enfrentar os chichês
Então beijei mamãe na cabeça
Guardei
Com o resto da multidão
A mesma classificação

Então encostei
A cabeça na janela no ônibus
Longe dela e suas músicas que escuto
Longe dela e seu gênero que faço
Seu personagem que criei
Fui com o resto da multidão
A mesma separação


O homem cinza

Eu vejo o homem cinza se aproximar
Com nada, absolutamente nada, no olhar.
Eu vejo o homem cinza chegar
Com olhos de aço e sem saber
Nada, absolutamente nada,
Sobre nós, e sobre a dor de esperar,
Eu sinto o homem cinza chegar.
Eu vejo o homem cinza ultrapassar
A barreira do sentir e do doer
Eu vejo em seu opaco olhar
O alívio branco de não ser
E não amar.
Eu sinto o homem cinza chegar.
Eu entro no homem cinza
E não há ninguém,
O homem cinza vem de além
Da fronteira entre querer
E já ter feito.
Eu vejo o homem cinza,
Intocável e perfeito,
Eu vejo o homem cinza inalcançável.
Eu sinto o homem cinza chegar.
Eu vejo e quero ser
O homem cinza
E quero o abraço do homem cinza,
Quero que ele venha me enterrar.





terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Xícara


Cabe numa xícara de café
Toda a razão pra eu me por
De pé.
E quando cessa por inteiro
Todo seu breve sabor e cheiro
Se derrama pra dentro da xícara
O veneno que me põe de volta
Na cama.



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Despejo


Eles estão levando os móveis.
Eles estão mesmo levando os móveis,
Não é um pesadelo.
Eles estão levando a porcelana,
Estão levando os cristais.
O piano se vai:
A festa era em outra casa.
Eles estão levando os quadros,
A existência nua nas paredes.
Eles estão levando tudo:
E a ocupar os vãos, os espaços,
Deixam apenas mundo.