sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Planeta-prisão

(...)

Vejo meu irmão injuriado, que se retira chorando para o quarto, como quem desiste, como quem reencontra sob as camadas sobre as quais nos construímos a dor primal. Aquelas lágrimas, eu já as provei e sei que em sua essência arde a consciência de que tudo é inútil, de que não há palavra gentil que vá evitar o soco nem injúria consentida e por isso vazia que vá lograr disfarçar a submissão e anestesiar o orgulho ferido, que não há estratégia comportamental ou representação, de que nos é vetada mesmo a morte suicida do cavaleiro que avança contra os tanques, símbolo em sua morte do fim que lhe decretou a história.


(O mundo é uma prisão - 2000)


Segue um zine que lancei no ano 2000, portanto, há uns dez anos. Digitalizei do jeito que foi produzido na época, sem maquiar nada, nem mesmo a capa horrível. Peço desculpas por eventuais figuras de linguagem pedantes, por algumas conjugações desnecessariamente "mais-que-perfeitas" aqui e ali e por alguns clichês bem batidos (mas sinceros). São a gordura que vai junto com os trechos de que ainda gosto.

Planeta-prisão é uma coletânea de textos e desenhos produzidos em fluxo de consciência e que registram quadros de sofrimento emocional e existencial, abstrações de situações então vividas e raciocínios nada agradáveis sobre o lugar do ser humano no universo, além de confissões e catarses. Material cheio do morbo que eu carregava.

Minha "lira dos vinte anos".




quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O salão da rainha











Eu fui de preto e não pude entrar
No salão da rainha.
O salão da rainha é branco.
Eu fui de branco e não pude entrar
No salão da rainha.
O salão da rainha é negro.
Melhor não dizer
Pra não ser barrado outra vez,
Mas - cá entre nós –
Só eu vi,
Entre todos os convidados,
De branco e de preto,
Que o salão da rainha
É xadrez?

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Objeto a

Sonhou com uma palavra,
O nome do que faltava.
agarrou a palavra,
Mas ao acordar
Tinha apenas um a.
Guarda consigo esse a
E vai procurar a palavra.
E procura o a em amor
E amor tem um o como o outro
Que lhe mostra um a em sadismo.
E procura um a em amor
E encontra o a em abismo.

E vai cair de novo,
Procurando o nome perdido
No enorme a estampado
No estandarte de um partido.
E tudo que lhe venderam
Um pouco de a prometia,
Mas a letra estampada na roupa
Era só outra forma vazia.
E por vários descaminhos
O enorme fantasma o conduz
O a tem forma de águia,
O a tem forma de cruz.
E o a é o nó do laço
Do mecanismo que seduz.
E o a é a fórmula
A que tudo se reduz.

E o fantasma desse a
O conduz embriagado
Entre malandros e vadias
E lhe pinta um a nas costas
Que é um alvo ali pintado.
E o fantasma dessa fome,
Desse faltar sem nome,
A nome qualquer dá poder
E cochicha a uma mulher
Exatamente o que dizer.
E conta ao publicitário
Os meios de o convencer
De que a mulher de a no nome
Quer o homem com o carro
Que tem o nome da mulher
“Do homem que sabe viver”.

E vai procurar a palavra.
E procura o a em amor
E amor tem um o como o outro
Que lhe mostra um a em sadismo.
E procura um a em amor
E encontra o a em abismo.
E vai procurar esse átomo
Em cada composto em que estiver
E vai provar o gosto
Dos venenos que fizer.

Nas águas da mente,
Turvas,
Viu o a disfarçado
De chuva.
Esqueceu esse sonho e,
acordado,
Logo estava patético
E curvado
Tentando ganhar
Uma uva.



El Objeto a es un concepto del psicoanálisis según Jacques Lacan, y significa el objeto de deseo inalcanzable, denominado también objeto metonímico: "objeto (causal) del deseo".

Fonte: Wikipedia

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Peço passagem

Se de rastejar a lagarta se cansa,
Eu de pensar e de sentir virei casulo.
Peço passagem a outro plano
Que é nulo todo este rastejar
Do ser humano.
Andar é pesar e ao respirar
Sorvemos sempre algum veneno.
Existir tampouco é inofensivo,
Seu principio ativo já começa a corroer
O mecanismo do teatro do viver.

Chega com essa farsa,
Perdeu a graça ser humano.

É asa o que no verme é padecer
Destes pés, de seu peso e caminhar.
Peço passagem ao plano do ar
Que já não acho natural
O andar que é ser lagarta e doer
Ou o faltar que dizem parte do ser.
Nego a norma de ser normal
O mal que é norma do viver
E sinto mais mal na norma
Que normalidade em sentir mal.

Chega com essa farsa,
Perdeu a graça ser humano.

O ranger da engrenagem
Do esforço que faço existindo
É o ruído deste estar ruindo,
Traço de veneno no trago sorvido
De suco de sede.

Chega com essa farsa,
Perdeu a graça ser humano.

Morfina

Qual dessas frutas recém maduras
Vai ser a minha cocaína?
Qual dessas meninas
Vai ser a matéria em que eu caio
Expulso do paraíso?
Qual delas me dá o corpo
Em que esqueço a minha alma?
Entre que pernas vou buscar a escuridão
Pra ofuscar a luz da consciência
Da dor da sua ausência
E nublar a noite
Cheia de estrelas distantes?
Em que carne vou matar o meu espírito?
Vem, menina,
Vem ser a morfina pra tanta dor.
Vem ser o corpo
Onde despenca o meu abismo.
Deixa eu morrer em você, menina,
Turvar com suor a centelha divina
Chamada tristeza.
Vem me libertar de mim
E trancar num minuto
A eternidade dessa pena.
Vem, menina,
Tornar minha alma pequena.
Vem ser o túmulo
De natimortos sentimentos.
Vem dar à treva
Pra eu cair no esquecimento.


terça-feira, 28 de abril de 2009

Poema pornográfico

Sentindo cheiro de raiva,
Frustração e medo,
Ganiu a Vida:
– Que delicia de brinquedo!

E riu com um prazer a Vida,
Quase sexual,
Antecipando o sabor
Da esperança frustrada
Do servo que ainda resiste,
Disse:
– Te provo de novo
Que venço afinal!
Rasteja, animal!
Por que não escreve um verso,
Um poema triste
Pra eu te ler na curra?
É mais perverso e eu gosto
Se você luta
Na hora da surra!
Ou prefere que eu leia
Aquela sua carta de amor?
Pra eu te foder – que delícia! –
Com imensa dor!

Gritou a Alma, enojada:
– Me solta!
– Isso! Assim! – gemeu a Vida
– Mais revolta!
Fala aquilo, vai!
Que ela disse pra você!
Ai, tesão, eu gozo
Lambendo decepção!
Assim que eu gosto, chora!
Vem cá agora, escravo,
Chupar minha dura lição!
Quero te ouvir dizer
“Por favor, isso não”!
Mais dor, coração!
Vamos lembrar:
Vocês dois na praça,
Uma canção!

E, babando, disse, medonha,
Rilhando os dentes:
– Anda, sonha!
Pra eu te arrancar pedaço!
Ou vai pensando, lê um livrinho,
Enquanto eu faço!
Me xinga, fala palavrão,
Faz uma oração se preferir!
Eu gosto da presa que chora,
Da que briga e me faz rir!

– Isso! Assim! Que saudade!
Que buraco! Que dor! Tô quase!

E, estuprada a Alma,
Gozou a Vida na cara
Do que ela tinha de melhor.
– Que gostoso! – disse, cachorra,
No rosto da desgraçada,
Limpando a porra.
– Sente o gosto da piada!