quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Rei africano

  


















É um amor.
Anda à minha sombra,
Calado.
O meu criado.
Um rei africano
Em trajes barrocos,
Cativado,
Esperando o sinal
Do amo.
Bem comportado.

Mas não se iluda:
Reinaria se pudesse.
Se tivesse
Não a virtude
Que admiras,
Hipócrita,
Em marfim, crucificada,
Mas, como o marques,
Teu coração,
Aquilo que o fez
Negro,
Escravizado.

E a meu criado
Sobre algo pagão,
Marquesa, eu ensino
Que se esconde
No mundo cristão.
E o português.
Pra ele, te ouvindo
Falar do dono
Do seu coração,
Isto saber:
É melhor ser rei
Que irmão.


(2004)


   

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Instrumento


Deve ao amor,
Como deve o empregado
O valor da ferramenta
Ao patrão,
Ao amor
Deve a dor
Seu instrumento.

Deve ao vazio,
Como deve o empregado
O valor da ferramenta
Ao patrão,
Ao vazio
Deve o amor
Seu instrumento.

Deve ao vazio e à dor,
Como deve o empregado
O valor da ferramenta
Ao patrão,
Ao vazio e à dor
Deve o manipulador
Seu instrumento.



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Irmã

Será uma maldição, irmã?
Irmã perante a sombra,
Será uma proteção?
Trazer partido o sentimento,
Essa insatisfação?
Será real o sofrimento?
Ou uma nossa criação?
De que lugares caímos,
Assim tão estrangeiros?
Algum dia, irmã,
Teremos sido inteiros?
Teremos tentado, irmã,
Esconder algo?
Teremos conseguido?
Temos sempre metade
Porque não somos inteiros?
Ou será, irmã,
Que a falta faz parte?

(2004)