sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Desligar

 Se o coração precisar desabafar
 Lembre-se que os amigos estão aí.

 Se o coração precisar desabafar
 Esta chamada está sendo encaminhada.

 Se o coração precisar desabafar
 Não se encontra no momento.

 Se o coração precisar
 Essa bebida contém quarenta por cento

 Se o coração precisar
 Não ligue ainda, junto com a faca vem

 Se o coração precisar
 Seremos sete bilhões em

 Se o coração precisar
 Seu blog visita o meu também

 Se o coração precisar
 Esta chamada está sendo en

 Se o coração precisar
 Os ciliados se movem por filamentos

 Se o coração precisar
 As forças geológicas levaram quatrocentos

 Se o coração precisar
 Esta chamada está sendo encaminhada.

 Se o coração precisar
 Esse medicamento provoca sonolência

 Se o coração precisar
 As confusões desse tira pra lá de

 Se o coração precisar
 O acidente envolveu cinco carros e

 Se o coração precisar
 Esta chamada está sendo encaminhada.

 Esta chamada está sendo encaminhada.

 Esta chamada está sendo.

 Se o coração precisar desabafar
 Aqui, eu preciso desligar.

domingo, 27 de novembro de 2011

Carinhos de pedra e perda

 Acariciar,
 Como quem tenta segurar
 E se assegurar
 Junto a um corpo feito em rocha.
 Acariciar
 Como quem tenta segurar,
 Mas o abismo não é feito
 De mão e pedra
 O abismo é feito
 De alma e queda,
 Do descaminho dos carinhos
 Resvalando em rocha
 Na beirada de acabar.

 E as coisas que dissemos
 Eu as quis anotar
 Em traços na minha carne a tombar
 E então
 A queda quase mão de pedra
 Quase mais que segurar,
 Quase não mais segurar.
 E as marcas que fizemos
 São carícias do despenhadeiro
 Linguagem de pedra, de espinheiro
 E de apedrejar.

 E então, respirar,
 Como quem deve calar,
 Como quem deve segurar,
 Mas eu respiro chão
 E o abismo não é feito
 De mão e pedra
 O abismo é feito
 De alma e queda
E de acordar
Num dia partido
 E ter que levantar.

 Acariciar,
 Como quem quer segurar
 E retomar
 Um corpo a negar segurança.
Acariciar,
 Como quem quer se segurar,
 Mas o abismo não é feito
 De mão e pedra
 O abismo é feito
 De alma e queda.

 Mas levantei
 E beijei a rocha amolecida
 E a face amanhecida
Ajeitou minha camisa
E beijou o abismo da minha vida.

Bioluminescência

Mote: "Não há inspiração na calmaria...Esse é vc."
D. 




"It will grow back like a starfish" - (Antony And The Johnsons)


 Na penumbra, mergulhadas,
 Duas criaturas atreladas gentilmente.
 Aquarelas de pele mesclando vão
 Duas mãos, dois muitos tons diferentes
 Que surgem luminescentes,
 Os da minha pele e a de
 Da sua pele.
 E há inspiração, sim, na calmaria,
 E canto enfim a sua alegria
 E, finalmente, a minha.

 E nessa calma nadam olhos, mãos
 E sons na penumbra vão,
 Nadando no ambiente,
 Os sons sob a minha pele segunda
 Livres dos destroços de um tão-frágil
 Que me afunda em distorção,
 Os sons que são a minha alma de verdade
 E nessa calma vão,
 Os sons de cristal de sob a minha pele
 E os de,
 Da sua pele
 Que se mesclando vão.
 E há inspiração, sim, na calmaria,
 E canto enfim a nossa calma
 E finalmente, a alegria.

 Acho tua boca,
 Lar de tanto nunca e tanto não.
 E teus olhos luzem na escuridão,
 Bioluminescentes,
 Onde sisuda fria vã teoria
 Previa a vida sem condição.
 E nessa alegria há inspiração
 E o fundo dito maculado,
 Envenenado em sua essência,
 Brilha, suave, iluminado, filtra
 Tanta dor e corrosão.
 Na treva naufragada de um navio,
 Criaturas iluminam o salão.

 E há, sim, transmutação
 Dos elementos que não são
 (Embora nisso insista a escuridão),
 Em sua essência, a treva
 E o veneno do acidente
 E luzem sendo mais que o ambiente,
 Maiores que a situação, e encontrar-se vão
 A formar a solução luzente.

 Luzimos junto aos restos do acidente
 Onde a vida declarada impossível, ausente,
 Num copo pousa um trago fluorescente.
 E há inspiração, sim, na calmaria,
 E canto enfim e mostro a minha alma
 E alegria, sou amor, sou gratidão,
 Sou, finalmente, sou
 Bioluminescente.

domingo, 21 de agosto de 2011

Objetos Identificados




 Assim rimando eu vou chamando uma flor
 E regando e alimentando essa flor.

 E pra alimentar essa flor,
 Enterro a altura medida numa forma
 De sentir as coisas, que estrutura
 Em catedral a noite estrelada
 Na mente do menino que vai no carro com os pais
 E procura fadas modernas, naves espaciais
 E se muda em estranhas saudades siderais
 De camadas mais altas de vida, talvez perdidas,
 Talvez sonhadas, distorcidas.

 Enterro a mente do menino de olhos no alto,
 Enterro os reflexos que maquiaram o asfalto.
 Enterro um ser de estradas, luzes,
 Naves espaciais, suas notas elevadas,
 As canções onde ficaram gravadas, orações,
 E as que gravaram depois
 Fases, casas, estações,
 Sentimentos inúteis em fúteis variações,
 Como o brilho do nada nos postes das auto-estradas.
 Enterro os caminhos internos das canções,
 São agora chaves sonoras de infernos pessoais.
 Encerro de mim grandes, fundas extensões.

 E pra afastar essa dor,
 Transformo em mudo elemento o grito dessa estrutura
 De corredores, passagens e descidas do sentimento, a criatura
 Cuja mordida é passar-lhes por dentro e que eu fecho
 Até florir o branco de um não sentir
 Que é uma raiva de si, de existir, que é alimento
 Para a flor que acalento.

 E pra alimentar essa flor
 Dei-lhe o que fechei num fora dentro.
 Rearranjei as notas, tranquei as rotas
 Girei pro outro lado as chaves sonoras,
 Montei o circuito dos sons que se arrastam no umbral
 Dispus a arquitetura mental nos vãos da criatura,
 Isolei sua estrutura, criei a casca da cigarra
 E o vazio do seu dentro, um dentro vazio
 No meu dentro, meu novo, sombrio, centro
 E deitei sobre as coisas concretadas
 Com o silêncio emocional de uma guitarra
 Se arrastando demorada.

 E assim rimando eu vou chamando essa flor
 E regando e alimentando essa flor

 E pra alimentar essa flor,
 Enterrei
 O menino do espaço, dei à flor funérea
 A sua matéria de luz,
 Mas dando a volta com os meus braços
 Transpunha a clausura, ia achar
 No seu abraço um pedaço
 Das luzes das naves espaciais,
 Reflexos tortos das luzes
 Das naves espaciais,
 E nesse abraço aos pedaços,
 Depois,
 Estilhaços a mais
 Pra além de luzes e braços.

 E os estilhaços vou dando à flor,
 Me cortando e alimentando essa flor.

 E pra alimentar essa flor
 Represo águas passadas:
 Estar a pé no asfalto nu
 E ouvir que escolhi essa estrada,
 E te acusar de jogar
 Com setas adulteradas.
 Encontro no florir desse ser
 Uma forma de não esquecer
 Que pode ser carregada
 E vou cultivando essa flor
 Que ao represar silencia
 A dor que assim cresce e floresce
 E faz melhor e mais útil mal
 Que navalha ou poesia.

 E vou enterrando as luzes
 Das naves espaciais
 Pra alimentar essa flor
 Com os pedaços das naves espaciais,
 Com os cristais rachados
 Dos abraços demorados, sublimes
 E não tão sublimados,
 Que não damos mais.

 E de você me faltando
 Eu vou regando essa flor.

 E vou chamando essa flor
 E regando e alimentando essa flor
 Que em cor escura, ao florescer,
 Fará a dor refugiada aparecer
 Radiografada em novo ser.
 Essa flor invertida
 É a forma traduzida de dizer
 Que as luzes passaram
 E as naves se revelaram
 Reflexos no retrovisor.
 Meu amor,
 É inútil odiar e rimar
 E eu me calo a germinar
 Esse fruto de escura cor.
 O isso que o verso reduz
 A “amor que não pode ser”
 Traduz no corpo o que o verso
 Perverte em jargão e clichê,
 Que morre no tolo rimar,
 Mas vive em adoecer.

 Dou à flor sem abrir mão,
 À outras mãos em mim dou
 Que não as que me entregam
 No comentário ressentido, impedido na razão
 No sentimento confesso, sempre em vão
 No murro na parede, em substituição.
 Às deformas desses vasos nego minha vazão
 E me calo um calo que some em mim
 O que não falo, que fala depois
 Por mim, que assim tem permissão,
 Que pode doer, enfim.

 E assim calando eu vou nascendo essa flor,
 Me calando e alimentando essa flor.

 Essa flor não é arte.
 A arte é pegada do ser que desceu
 À treva analfabeta no fundo do eu,
 Mágoa bruta mergulhada no breu
 Onde não há flor, nem ser
 (Nem breu), com restos
 De objetos identificados
 Que não eram estradas, nem naves,
 Nem luzes, nem cristais,
 Mas algo mais que não veio,
 A não ser nos abraços
 Que não damos mais,
 E ali jaz, luz morta que alimenta
 A raiz da flor cinzenta
 Do meu mudo jardim,
 A florir de volta pra dentro,
 No escuro centro de mim,
 O que abriu nas noites
 De primavera enganada.

 Eu não estou escrevendo um poema,
 Nem estou cultivando uma flor.

 Palavras caem desabitadas,
 Deixadas por coisas
 Que estão germinando
 Enterradas.


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pedaços

Sentimentos.
Dentros que um tropeço da matéria
Deu às pedras,
Que agora são.
Que estiveram sempre no chão, mas então
Caíram.
Que sempre estiveram, mas então
Partiram.
Que estavam em toda a parte e agora estão
Perdidas.
Que não tinham medidas e agora são
Pedaços,
Duas linhas riscadas sobre um espaço
Que então é centro, é ponto
É coordenada
Do encontro com o nada.
Duas coisas inexistentes para si
Por dentro
Cruzadas de qualquer maneira
Num lugar que acorda e pensa
Ser uma terceira.

Corpos do acaso
Que não tinham todo
E agora são
Divisíveis.
Que não tinham corpo
E agora estão
Mutiladas,
Que não eram nada
Que não eram
E agora são.
E agora são.
E agora são.
E há coração.
E agora em vão.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A doceira

Estapeio na cara as crianças do porão
Que correm pra porta ao berros, pulando, rindo
Se lhes parece que outra vez vem vindo
A doceira embrulhada no doce,
No brilho do papel do doce,
No doce do papel.

A cicatriz nas crianças de carnes marcadas,
De carnes dadas aos dentes
De um mundo embrulhado em papel reluzente
Por doceira embrulhada em papel de atriz,
A cicatriz
As crianças não sabem quem fez.
Seus pedaços estavam em mim, lhes doparam,
Tiraram um rim, lhes deram um sim
E entraram.

Amor,
Lembra o conto do espelho
O canto das almas iguais.
Amor,
Conta os pontos no espelho
Margeando o sorriso que olhais.
Amor, olha o traço riscado
Que vai contigo aonde vais.
Olha o riso traçado
Por quem não vai voltar mais.
Amor, olha o fio
No brilho em papel de bala.
Amor, afoga a esperança,
Enforca as crianças na sala.





quinta-feira, 17 de março de 2011

O romance da chibata e do lombo do preto

(Dedicado a Ali Kamel)

Vivia feliz a chibata
Seu romance com o lombo do preto!
Vivia feliz a mansão
Com o barraco do preto no gueto!

Mas a esquerda, invejosa, pensou:
"Ai, que inveja de tanta harmonia!
Vou inventar a palavra "racismo"
E espalhar meu fel na alegria!"

E o chicote, que até então não doía,
Passou a muito incomodar!
Foi a esquerda que espalhou raiva
E fez carinho assim machucar!

Se ninguém diz que há gato no saco
Então gato no saco não tem.
Como é pós-moderna a direita
Quando o relativismo convém!

domingo, 6 de março de 2011

O homem que não matou a mulher


No one knows what its like, to feel these feelings,
Like I do, and I blame you. 

(Behind Blue Eyes - The Who)


Meu caminhar aleijado
Cruzado por suas trilhas fáceis.
Penso enfim voar.
Sou paisagem.

Vem o estupro do equívoco:
Devo devolver o raio
Do sol que entrou no verde.
Desenraizar de mim.

Puxo a raiz:
Cicatriz. Ramificado,
O vazio plantado.  

Analiso: à distância
Surge um sorriso.
Os dentes já longe,
Cravados precisos.

Estou trancado
Do lado de ontem.
Chove.
Sua porta passada.

Chovo de raiva
E estendo a mão seca.
Sorrio azul.

Arrasto o ontem,
Perna morta no corpo.
Na mente.
Tropeço.

Ali sou ainda
Um de nós dois.
Penso se há outros:
Teus jogos escrotos.

Vem o estúpido epílogo.
Devo devolver o raio
Do só que estou ao ver-te?
Desenraivizar de mim?

Te vejo de pé por aí.
É que as balas engoli,
Todo o tambor.

Mais um ano, amor,
Mais um ano não passou.

Ódio, seja útil
E torne-se um câncer.




quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Rei africano

  


















É um amor.
Anda à minha sombra,
Calado.
O meu criado.
Um rei africano
Em trajes barrocos,
Cativado,
Esperando o sinal
Do amo.
Bem comportado.

Mas não se iluda:
Reinaria se pudesse.
Se tivesse
Não a virtude
Que admiras,
Hipócrita,
Em marfim, crucificada,
Mas, como o marques,
Teu coração,
Aquilo que o fez
Negro,
Escravizado.

E a meu criado
Sobre algo pagão,
Marquesa, eu ensino
Que se esconde
No mundo cristão.
E o português.
Pra ele, te ouvindo
Falar do dono
Do seu coração,
Isto saber:
É melhor ser rei
Que irmão.


(2004)


   

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Instrumento


Deve ao amor,
Como deve o empregado
O valor da ferramenta
Ao patrão,
Ao amor
Deve a dor
Seu instrumento.

Deve ao vazio,
Como deve o empregado
O valor da ferramenta
Ao patrão,
Ao vazio
Deve o amor
Seu instrumento.

Deve ao vazio e à dor,
Como deve o empregado
O valor da ferramenta
Ao patrão,
Ao vazio e à dor
Deve o manipulador
Seu instrumento.



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Irmã

Será uma maldição, irmã?
Irmã perante a sombra,
Será uma proteção?
Trazer partido o sentimento,
Essa insatisfação?
Será real o sofrimento?
Ou uma nossa criação?
De que lugares caímos,
Assim tão estrangeiros?
Algum dia, irmã,
Teremos sido inteiros?
Teremos tentado, irmã,
Esconder algo?
Teremos conseguido?
Temos sempre metade
Porque não somos inteiros?
Ou será, irmã,
Que a falta faz parte?

(2004)


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Salão da Rainha

Poema O Salão da Rainha, declamado em uma das edições do Penumbra, evento de poesia e música dark realizado periodicamente na Casa Cultural Matriz (Belo Horizonte).


 



sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Eu não sei não existir

Acordo na vida de um homem
Que guarda o seu salário,
Constrói o futuro
Em volta do furo,
Do escuro trancado no armário.

Me arrasto da cama com o homem
Que espera o seu coletivo
E tem raiva ainda
E mastiga a vida
Que hoje é seu próprio motivo.

Acordo na cama de um homem
Que transa com a namorada.
Ele me repele,
Mergulha na pele,
Me empurra de volta pro nada.

Eu não sei não existir.
Eu não sei não existir.

Surpreendo o riso de um homem
E não entendo a graça que via
E o riso está solto no espaço
Como peça solta, um pedaço.
Do que é que a cinza se ria?

Acordo na vida de um homem
E sou um tapa não dado
E digo o que eu queria
E ninguém interrompia
E o que vim buscar no mercado?

Eu tiro do sono a um homem
Que apenas queria sumir.
E mantenho o olho aberto
E o retenho por perto
E aperto a prisão de existir.

Eu não sei não existir.
Eu não sei não existir.
Eu não sei.
Eu não sei não existir.