quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Irmã

Será uma maldição, irmã?
Irmã perante a sombra,
Será uma proteção?
Trazer partido o sentimento,
Essa insatisfação?
Será real o sofrimento?
Ou uma nossa criação?
De que lugares caímos,
Assim tão estrangeiros?
Algum dia, irmã,
Teremos sido inteiros?
Teremos tentado, irmã,
Esconder algo?
Teremos conseguido?
Temos sempre metade
Porque não somos inteiros?
Ou será, irmã,
Que a falta faz parte?

(2004)


Um comentário:

  1. Lendo o poema pela milésima vez... Muito bom, muito bom mesmo.

    O que pra mim é o ponto alto do poema - os versos: "De que lugares caímos,/ Assim tão estrangeiros?/ Algum dia, irmã,/ Teremos sido inteiros?" - me lembra bastante d"O Banquete", de Platão, quando Aristófanes conta a história de que os seres humanos eram uma unidade de gêneros que Zeus dividiu em dois:

    "Em primeiro lugar, três eram os gêneros da Humanidade, não como agora, o masculino e o feminino, mas também havia, a mais, um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino (...). Eis por que eram três os gêneros (...). Eram por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses (...). Zeus então e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que se devia fazer com eles e embaraçavam-se (...). Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: 'Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora, com efeito, continuou, eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de terem se tornado mais numerosos (...).' Logo que o disse, pôs-se a cortar os homens em dois (...); a cada um que cortava, mandava Apolo voltar-lhe o rosto e a banda do pescoço para o lado do corte, a fim de que, contemplando a própria mutilação, fosse mais moderado o homem (...). Por conseguinte, desde que a nossa natureza se multiplicou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada querer fazer longe um do outro. (...) É então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana."

    Parabéns, mais uma vez, pelo poema!

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